
Foi nessa via que a cigana puxou meu braço e pediu dois euros para falar o que aconteceria em minha vida, na fase “auguri” pela qual eu passava.
Antes, vindo ao meu encontro, ela me acenava de longe chamando: “professora”! Sim, em português.
Correu um frio pela espinha.
Parei no meio da multidão e só me lembro de seu rosto implorando os euros para revelar o que eu não quis, de jeito nenhum, saber.
Ela insistia, mas a recusa foi categórica.
Eu?
Não cairia naquele engodo.
O máximo de futuro que me permitiria era, ao passar pelo mercado, jogar uma moeda para um dia voltar.
A partir da primeira viriam outras revelações e mais euros atrelados a elas.
Fugi da mulher pensando em quantas bolas de sorvete não se equilibrariam uma sobre a outra… a carteira de couro amarela… a echarpe…
Preferi o prazer do presente às predições.
Cheguei cansada de tanto fugir na gelateria, numa ruela que dava para a praça, sentei-me e frui aquela obra de arte culinária enxergando, se entortasse um pouco a cabeça, o Davi simulacro.
Foi por não me contentar com ele que busquei o original, voltando pelas ruas antes percorridas, mas dessa vez por um outro caminho e deu no deu.
Foi na cigana que pensei durante a pane do avião que me trazia de volta, forçando a tripulação a pernoitar num hotel de aeroporto.
Nada mal estender em um dia a escala na capital que me encantou pelo sobrevoo, acompanhando o rio famoso.
Quando me atirei na cama, tive a impressão de nela já ter dormido a rainha, mas nem isso me aliviou o desconforto do medo, muito menos a manhã com promessas de vendaval à tarde, bem na hora do voo de regresso.
Pela primeira vez, lamentei estar sozinha naquela viagem dos 50 anos.
Foi na cigana que pensei ao acordar do pesadelo entre macas e respiradores.
Ainda vivendo o sonho ruim, assisti à notícia de que o primeiro infectado no Brasil, com o vírus avassalador das vias aéreas de quem o contraísse, desembarcou vindo de onde eu estava há poucos dias.
Meu Deus! Quantas aulas já dei. Até os 14 dias da minha chegada se passarem…
É na cigana que penso toda vez que abro a carteira comprada no mercado do javali que engoliu minha moeda e me deparo com os euros desgraçados que sobraram.
É apenas ela quem vejo gritando por mim, na margem da Catedral, em toda foto aérea de Florença com suas vias.
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