Um dia uma amizade intensa, no outro uma conversa de comadres!
A vida é mesmo uma caixinha de surpresas, e tenho aprendido a apreciar isso, mesmo que às vezes envolva sofrimentos e ausências sem temporalidade demarcada (seria isso um pleonasmo?).
Existem pessoas e alguns relacionamentos que alcançam uma profundidade inimaginável e, quando menos esperamos, esfriam, desvanecem e eventualmente se tornam ausentes. E, com esse pensamento acima matutando em minha mente, penso na possibilidade de um novo texto que pode concretizar essas reflexões, colocar em palavras o que ocorreu e me ajudar, sobretudo a elaborar esse movimento da vida. Sim, a escrita para mim é terapêutica e de maneira mais profunda constitutiva….
Nesse sentido, hoje, desejo escrever sobre uma amizade que seguiu esse caminho. Nos últimos dias, tenho refletido muito sobre tudo o que ela representou em minha vida ao longo de 25 anos.
Sim, são 25 anos (no presente), porque ainda temos nossas conversas de comadres, ou mais especificamente “Las Comadres” (o nome do nosso grupo no WhatsApp onde trocamos coisas, mas de forma mais superficial). Mas, essa relação tem um começo bastante peculiar, e acho que vale a pena ilustrar o que eu considero o início de tudo.
Tudo começou em um manicômio literalmente (trabalhávamos juntas nesse espaço em uma cidadezinha do interior de São Paulo), um lugar onde o tratamento era o isolamento, medicações e outros horrores.
Neste lugar foi o início de nossa amizade, que viria a definir minha carreira como enfermeira, professora e pesquisadora. Para aqueles leitores mais interessados em explorar mais sobre essa época e esses acontecimentos, recomendo o filme “Holocausto Brasileiro” de Daniela Arbex, que retrata os horrores vividos nesses lugares (já aviso que é para quem tem estômago, não se trata de imagens fáceis de digerir).
O local em que trabalhávamos era bastante parecido com o retratado no filme/documentário. E foram tantas coisas vividas nesse espaço e acho que eram tão grandes e profundas que acabaram extrapolando aquele espaço de isolamento e transbordou para a vida.
Nossa amizade cresceu por meio de afinidades, livros compartilhados e uma cosmovisão de mundo comum em diversos aspectos. É uma das relações de amizade mais profundas que já experimentei em meus 43 anos de vida.
Em nossas duas décadas e meia juntas, experienciamos tantos eventos – casamentos, filhos, netos – e compartilhamos muitas histórias com outras amigas que também nasceram nesse ambiente de desafios e superações. Cada vivência se eternizou em minha mente e um dia pretendo escrever sobre cada uma delas também (somos cinco mulheres em uma amizade nascida na loucura).
Embora tenhamos enfrentado desafios, discussões e outras coisas inerentes à uma amizade verdadeira, em nossa relação, nunca houve uma ruptura completa até um ano atrás.
Não teve prelúdio, durante uma conversa trivial em julho de 2023, egos inflamados, interpretações errôneas e verdades nuas foram expostas, levando ao fim de um espaço tão significativo e cheio de histórias (confesso que essa percepção é totalmente minha, não posso generalizar).
Naquele momento, não senti tristeza, apenas uma sensação de certeza, pois acredito que a honestidade nem sempre é bem recebida em uma relação, por mais profunda e verdadeira que seja.
Nesse sentido, indico fortemente o filme ‘Verdades Dolorosas’ da cineasta Nicole Holofcener, que pode ilustrar essas minhas afirmativas. Talvez eu pudesse ter abordado a situação com mais afeto (penso nisso com uma certa frequência), mas mesmo após um ano, minhas convicções não mudaram (essa mesma amiga, já me acusou de egocêntrica – um exagero logicamente!).
Fico pensando que ainda havia muitas projeções, e eu estava um pouco cansada, confesso, de ficar medindo as palavras para não chateá-la ou para ela não pensar algo de mim, etc, etc, etc.
Esse percurso de um ano me fez acomodar algumas ideias e atualmente, vejo essa ruptura como um hiato necessário para um relacionamento ainda mais profundo e autêntico, sem projeções em algum momento futuro.
A introspecção tem sido minha companheira mais próxima nesse período, permitindo que eu aceite esse incômodo, porém importante, momento nessa relação. Não vejo isso como perda de tempo ou infantilidade (como podem dizer alguns desavisados), mas como parte do processo que precisamos atravessar, não apenas o que queremos e sim, o que precisamos (tenho essas crenças mágicas, espiritualizadas e que para mim fazem todo sentido).
Penso também que todas as nossas histórias, memórias e conversas profundas estão guardadas para sempre, prontas para serem revisitadas enquanto aguardamos o Universo decidir se é hora de retomarmos ou não as nossas profundidades. E é sobre isso!
E de repente, quando achei que tinha finalizado o texto, percebi que ele está repleto de parênteses e além de mudar o título, decidi dar um novo desfecho, porque afinal, o que são os parênteses?
Segundo o Google ‘São frases ou períodos intercalados num texto para acrescentar informação adicional’. É isso, estamos vivendo um parêntese na nossa relação, na nossa amizade mais íntima. Não sei por quanto tempo será, nem se será nesta vida ou dimensão que este parêntese se encerrará.
No entanto, não tenho dúvidas de que nos reencontraremos, como na música “Ciganos do Espaço” do Tukum, que diz: “…e quando estamos prontos, nos reencontramos”. Agora sim, é isso, de alguma maneira precisava colocar em palavras essa experiência, acho que ela sai de um plano sutil para um plano concreto e de alguma forma, para mim, coisas são elaboradas por meio da escrita.
No silêncio dos parênteses, guardamos nossas histórias, prontas para o reencontro no tempo certo, onde a amizade se renova em novas profundidades e histórias para serem escritas.