
O que a agitação da vida moderna trouxe de pior para as relações humanas foi a superficialidade delas.
Moro num prédio com dezenas de apartamentos. Multiplique essas dezenas pelo número de pessoas que moram em cada um deles.
O número dessa operação é muito, mas muito menor do que a quantidade de vezes que eu emito um bom dia, desde a minha porta até o portão da garagem.
Sou jornalista esportivo e, se escolhi essa profissão, imagine como gosto de falar e trocar ideias.
Acresça a isso o fato de eu ter vindo de uma pequena cidade do interior, lugar onde ainda se arruma um tempo para algo que não seja apenas compromisso de trabalho e, como nela o tempo passa mais devagar que as metrópoles, perceba o que sofro com o mal da modernidade.
Ah, mas em todo deserto tem um oásis, como dizia meu avô.
E eu encontro o meu em pleno elevador: seu Estevão! Pense num senhor camarada, desses que você torce para encontrá-lo logo de manhã e receber dele o bom dia e os comentários agradáveis que sempre vêm.
Quando é segunda-feira então, nem se fala. Se o time dele ganhou, nossa… Segura o bom humor. E mesmo se perde ou até cai para segunda divisão (como aconteceu há dois anos), ainda assim, é com simpatia que esbarra comigo, eu sempre apressado pra ir ao jornal e ele, tranquilo, à padaria.
Mas hoje – sempre tem um dia de exceção – seu Estevão estava esquisito, ou melhor, de·cep·ci·o·na·do!
Como ele fez questão de escandir a palavra. Descobri que era com o netinho, de tanto que eu perguntei (não abandono nunca a profissão).
Foi ao aniversário do pequeno e levou uma bola de futebol de presente.
Queria dar a ele uma alegria genuína e se inspirou em duas lembranças: a primeira, o dia em que comprou a sua bola com o troco que recebeu de um trabalho, depois de tantas bolas feitas de meia velha da escola juntadas no fim do ano para a pelada de todo dia num terreno baldio; e a segunda, muito tempo mais tarde, o dia em que presenteou seu filho com uma bola de marca famosa, depois de tantos anos jogando com ele futebol de botão todas as noites.
A indignação do seu Estevão foi ver a indiferença com que o neto recebeu o seu presente.
Desembrulhou, olhou nela inteira, e a falta de jeito para o brinquedo era tanta que o menino deixou-o rolar das mãos em segundos, e nem correu para buscá-lo.
Foi o avô que teve que correr atrás da bola e entregar-lhe novamente em mãos. A criança girou a bola e perguntou se o presente estava dentro daquilo!!! Aí ele se enfureceu, como “daquilo”??? É uma bola!!!
– Tá, vovô, mas cadê o visor de led, aonde liga?
Eu ri, mas o meu amigo continuou com a cara desapontada.
Vim para o jornal pensando sobre a tristeza dele e, enquanto escrevo, a bola que comprei no caminho para a redação do jornal está em cima da minha mesa, inspirando-me nesse texto.
À noite, ela vai adornar a estante do meu filho que está a caminho e nem sabe que o mundo que o espera está tão moderno, sem espaço nem tempo para um bom chute a gol num campinho improvisado, mas sobrando para o deslizar dos dedinhos ao toque do led e o comprometimento da cervical.
Quero ver meu filho crescer feliz com a bola, essa que eu darei e a maior, grandona, na qual habitamos.

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