
Recebi um WhatsApp com um vídeo muito especial, com Toquinho dedilhando o violão e Odilon Wagner fazendo uma interpretação em cima da obra de Vinícius, ambos eram pura emoção, representando bem a visão de Amizade do poeta.
Puxa essa era a deixa para escrever com muito respeito sobre o “poetinha”! Vou fazer seu coração pensar.
Se você acha que só o cérebro pensa, ouça esse vídeo e vai descobrir que você está pensando com o coração.
Rapidamente você reconhecerá exatamente para quem você iria querer falar tudo aquilo!
Logo, vou começar anexando essa obra, que foi gravada no palco do Memorial da América Latina.
Se, após essa experiência, você puder continuar pensando com o coração, leia mais três textos de Vinicius sobre amizade e sobre a perda do amigo.
Coloque agora seu sentimento ao ler e comece a sentir o significado da palavra amigo e a perda de alguém tão especial!
Mais que isso, viva esse momento!
Nunca mais deixe passar uma chance de abraçar e dizer: “Te amo”!
Para essas pessoas incríveis que escrevem conosco nossas histórias!
Amigos Meus
(Texto publicado por Vinicius de Moraes, em ‘Para Uma Menina Com Uma Flor’)
“Ah, meus amigos, não vos deixeis morrer assim… O ano que passou levou tantos de vós e agora os que restam se puseram mais tristes; deixam-se, por vezes, pensativos, os olhos perdidos em ontem, lembrando os ingratos, os ecos de sua passagem; lembrando que irão morrer também e cometer a mesma ingratidão.
Ide ver vossos clínicos, vossos analistas, vossos macumbeiros, e tomai sol, tomai vento, tomai tento, amigos meus! — porque a Velha andou solta este último Bissexto e daqui a quatro anos sobrevirá mais um no Tempo e alguns dentre vós — eu próprio, quem sabe? — de tanto pensar na Última Viagem já estarão preparando os biscoitos para ela.
Eu me havia prometido não entrar este ano em curso — quando se comemora o 1964.° aniversário de um Judeu que acreditava na Igualdade e na Justiça — de humor macabro ou ânimo pessimista. Anda tão coriácea esta República, tão difícil a vida, tão caros os gêneros, tão barato o amor que — pombas! — não há de ser a mim que hão de chamar ave de agouro. Eu creio, malgrado tudo, na grande vida generosa que está por aí; creio no amor e na amizade; nas mulheres em geral e na minha em particular; nas árvores ao sol e no canto da juriti; no uísque legítimo e na eficácia da aspirina contra os resfriados comuns. Sou um crente — e por que não o ser? A fé desentope as artérias; a descrença é que dá câncer.
Pelo bem que me quereis, amigos meus, não vos deixeis morrer. Comprai vossas varas, vossos anzóis, vossos molinetes e andai à Barra em vossos fuscas a pescar, a pescar, amigos meus! — que se for para engordar a isca da morte, eu vos perdoarei de estardes matando peixinhos que, não vos fizeram nenhum mal. Muni-vos também de bons cajados e perlustrai montanhas, parando para observar os gordos besouros a sugar o mel das flores inocentes, que desmaiam de prazer e logo renascem mais vivas, re-lubrificadas pela seiva da terra. Parai diante dos Véus-de-Noiva que se despencam virginais, dos altos rios, e ride ao vos sentirdes borrifados pelas brancas águas iluminadas pelo sol da serra. Respirai fundo, três vezes, o cheiro dos eucaliptos, a exsudar saúde, e depois ponde-vos a andar, para frente e para cima, até vos sentirdes levemente taquicárdicos. Tomai então uma ducha fria e almoçai boa comida roceira, bem calçada por pirão de milho. O milho era o sustentáculo das civilizações índias do Pacífico, e possuía status divino, não vos esqueçais! Não abuseis da carne de porco, nem dos ovos, nem das frituras, nem das massas. Mantende, se tiverdes mais de 50 anos, uma dieta relativa durante a semana a fim de que vos possais esbaldar nos domingos com aveludadas e opulentas feijoadas e moquecas, rabadas, cozidos, peixadas à moda, vatapás e quantos. Fazei de seis em seis meses um checkup para ver como andam vossas artérias, vosso coração, vosso fígado.
E amai, amigos meus! Amai em tempo integral, nunca sacrificando ao exercício de outros deveres, este, sagrado, do amor. Amai e bebei uísque. Não digo que bebais em quantidades federais, mas quatro, cinco uísques por dia nunca fizeram mal a ninguém. Amai, porque nada melhor para a saúde que um amor correspondido.
Mas sobretudo não morrais, amigos meus!”
Soneto do amigo
- “Enfim, depois de tanto erro passado
- Tantas retaliações, tanto perigo
- Eis que ressurge noutro o velho amigo
- Nunca perdido, sempre reencontrado.
- É bom sentá-lo novamente ao lado
- Com olhos que contêm o olhar antigo
- Sempre comigo um pouco atribulado
- E como sempre singular comigo.
- Um bicho igual a mim, simples e humano
- Sabendo se mover e comover
- E a disfarçar com o meu próprio engano.
- O amigo: um ser que a vida não explica
- Que só se vai ao ver outro nascer
- E o espelho de minha alma multiplica…”
A Hora Íntima
- “Quem pagará o enterro e as flores
- Se eu me morrer de amores?
- Quem, dentre amigos, tão amigo
- Para estar no caixão comigo?
- Quem, em meio ao funeral
- Dirá de mim: — Nunca fez mal…
- Quem, bêbado, chorará em voz alta
- De não me ter trazido nada?
- Quem virá despetalar pétalas
- No meu túmulo de poeta?
- Quem jogará timidamente
- Na terra um grão de semente?
- Quem elevará o olhar covarde
- Até a estrela da tarde?
- Quem me dirá palavras mágicas
- Capazes de empalidecer o mármore?
- Quem, oculta em véus escuros
- Se crucificará nos muros?
- Quem, macerada de desgosto
- Sorrirá: — Rei morto, rei posto…
- Quantas, debruçadas sobre o báratro
- Sentirão as dores do parto?
- Qual a que, branca de receio
- Tocará o botão do seio?
- Quem, louca, se jogará de bruços
- A soluçar tantos soluços
- Que há de despertar receios?
- Quantos, os maxilares contraídos
- O sangue a pulsar nas cicatrizes
- Dirão: — Foi um doido amigo…
- Quem, criança, olhando a terra
- Ao ver movimentar-se um verme
- Observará um ar de critério?
- Quem, em circunstância oficial
- Há de propor meu pedestal?
- Quais os que, vindos da montanha
- Terão circunspecção tamanha
- Que eu hei de rir branco de cal?
- Qual a que, o rosto sulcado de vento
- Lançara um punhado de sal
- Na minha cova de cimento?
- Quem cantará canções de amigo
- No dia do meu funeral?
- Qual a que não estará presente
- Por motivo circunstancial?
- Quem cravará no seio duro
- Uma lâmina enferrujada?
- Quem, em seu verbo inconsútil
- Há de orar: — Deus o tenha em sua guarda.
- Qual o amigo que a sós consigo
- Pensará: — Não há de ser nada…
- Quem será a estranha figura
- A um tronco de árvore encostada
- Com um olhar frio e um ar de dúvida?
- Quem se abraçará comigo
- Que terá de ser arrancada?
- Quem vai pagar o enterro e as flores
- Se eu me morrer de amores?”
Depois de ler esses textos, você estará pronto para conhecer melhor esse mestre!
Em breve, a Comud vai te apresentar seus trabalhos falando de amor, de beleza e de natureza. E garanto que você ficará com gosto de quero mais!
Não preciso escrever muito sobre o autor ou sobre os textos, eles se apresentam a você.
Parece que conversam com a gente…
Até breve!
Imagem de destaque: estantevirtual.com.br